Território
Margem Esquerda do Guadiana
Mas é isto a margem esquerda. Do Guadiana. Diferente todos os dias. E em cada canto. E cante. E gestos. Como se distingue tão facilmente o falar romanceado do barranquenho do cadente da voz, quase trazendo o peso da terra, de um homem da Serra de Mértola.
Da mesma serra que para além das Fábricas é de Serpa. E que singeleza e jeito distingue os cantes de Vila Nova de S. Bento dos de Mourão. E com que métricas, sempre do tamanho do mundo, faz cada poeta da margem esquerda a sua obra, todos os dias prima, eternamente memória de homens e olhares sem fim. Todos os dias frágil mas não efémera.
Margem esquerda do Guadiana. O rio. Este Guadiana que fez e faz destes campos e destas gentes um vitral de tantas cores, de tantas formas, de tantos encantos. De cerros de Estevas e planuras de trigo; de vales rochosos e vargens prenhas de terra. Este rio roubando às margens palmos de terra cada vez que cresce às portas do Inverno e enchendo de pasmo o nosso olhar quando se esconde nas ressequidas tardes de Verão. O rio. Este rio que também é tantos afluentes: Ardila, Limas, Chança, Alcarrache, Enxoé. De tantos barrancos feitos rio, depois finos riachos e mais tarde enrugada superfície de terra. E de seixos rolados e de charnecas de poejos.
À margem esquerda do Guadiana o rio tem o tamanho da memória de muitos mil anos. Trazida por gentes carregando a farta visão daquilo que é a simplicidade da terra. E do tempo.
Miguel Rego
Sexta, 14 de Janeiro de 2022